Uma caminhada permanente

Com dez anos de caminhada, a Jornada de Agroecologia combina o anúncio de uma outra forma de produção junto à denúncia da política mundial das transnacionais do agronegócio, e seus impactos na vida dos pequenos produtores

Antonio Carlos Senkovski,
de Curitiba (PR), especial para o Brasil de Fato

A Jornada de Agroecologia, iniciada em 2002, chega ao seu décimo encontro e representa um movimento de construção. Seu significado é o de uma verdadeira confraternização de experiências de uso e cultivo de sementes, momentos de reflexão e qualificação da luta política. Darci Frigo, coordenador da organização de Direitos Humanos Terra de Direitos, uma das entidades articuladoras da Jornada, descreve o seu surgimento e a situa hoje como um “sujeito coletivo” transformador do modelo de agricultura.

Brasil de Fato. O surgimento da Jornada responde a qual demanda da sociedade?
Darci Frigo.
No horizonte buscou-se colocar como pauta política duas questões que são face da mesma moeda. De um lado era preciso mudar o modelo de agricultura concentrador de terra, renda e ambientalmente predatório. Do outro, construir um novo projeto para o campo baseado na agroecologia, com uma terra livre de transgênicos, de agrotóxicos e dos latifúndios. Desde o primeiro encontro da Jornada buscávamos construir alternativas viáveis de fortalecimento da agricultura familiar camponesa para disponibilizar, garantir alimentação saudável aos próprios agricultores e a toda a sociedade. Uma agricultura feita de agricultores/as, não dominada por empresas transnacionais e o agronegócio com suas monoculturas. Colocamos no horizonte a Reforma Agrária para acabar com o latifúndio monocultor. Buscar um arco de alianças entre os diversos sujeitos que atuam no campo – organizações e movimentos sociais – e com pesquisadores e estudantes, instituições públicas municipais, estaduais e federais, e organizações ambientalistas e de consumidores.

E, nesses dez anos, quais foram as principais mudanças nos debates do encontro?
Num primeiro momento os debates giravam mais em torno de como construir a agroecologia como possibilidade concreta de um novo modo de viver no campo com viabilização de renda para a agricultura familiar camponesa. Num segundo momento, busca-se formular um conjunto de propostas para os poderes públicos, já que as condições frente ao agronegócio para implementar uma proposta de agroecologia eram absolutamente desiguais. Os transgênicos avançavam com a força do lobby das transnacionais. O agronegócio recebendo o grosso do crédito e tendo as pesquisas voltadas para seus interesses. O que restava aos movimentos sociais era organizar-se para lutar pela agroecologia: as Jornadas sempre se iniciam com uma grande manifestação pública, uma marcha, buscando apoio da sociedade que poderia beneficiar-se com alimentos saudáveis e ecologicamente produzidos e construindo propostas de políticas públicas diferenciadas.

Como definir hoje este momento de troca de experiências, no campo das ideias e mesmo na troca de sementes entre os participantes?
A troca de experiências marca as Jornadas de Agroecologia desde o seu nascedouro. O fato de haver uma pluralidade de sujeitos, agricultores familiares/camponeses, estudantes, pesquisadores, agentes públicos e militantes socioambientalistas, cria um ambiente rico para troca de saberes e experiências vivenciadas de forma distinta. Os eventos sempre reservaram espaço significativo para seminários de aprofundamento de temas variados, oficinas para troca de experiências entre agricultores e técnicos/pesquisadores. Outro espaço importante é a feira de troca de sementes crioulas, que hoje estão ameaçadas pela contaminação genética por plantas transgênicas. Sempre houve grande preocupação, também, em garantir nos eventos os espaços de debate dos grandes temas que influenciam o processo como um todo na agricultura e na sociedade.

Nove passos da Jornada de Agroecologia no Paraná
Nove trechos selecionados das cartas e documentos finais do evento apontam que, nesses anos, não se perdeu de vista a denúncia do modelo de agricultura imposto ao país e suas repercussões no plano ambiental e climático. As cartas e as proposições da Jornada refletem a preocupação com os impactos da política das transnacionais no planeta e sua imposição dela na agenda política nacional, como no caso da liberação de cultivos transgênicos, ou a denuncia do aumento indiscriminado dos agrotóxicos no Paraná (2008).

Linha do tempo

  • 1ª Jornada (17 a 20 de abril de 2002) – “Neste momento o modelo neoliberal se reapresenta na forma de globalização do capital, aprofundando planetariamente o processo de exploração do trabalho e da natureza, controlando as biotecnologias como meio de mercantilização da vida, e através dos transgênicos destruindo a agricultura, a soberania alimentar e a cultura dos povos”. Trecho da Carta da 1ª Jornada.
  • 2ª jornada (7 a 10 de maio de 2003) – “Os milhares de agricultores e agricultoras, aqui reunidos, erguem sua voz contra a ação ardilosa de meia dúzia de multinacionais que querem acabar com a nossa soberania, impondo seus interesses, aliciando autoridades governamentais para liberar os transgênicos no país”. Trecho da Carta da 2ª Jornada.
  • 3ª jornada (12 a 15 de maio de 2004) – “No Brasil, a agroecologia é uma realidade viva e em construção pelos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, extrativistas, sertanejos, camponeses, agricultores familiares, posseiros e sem-terras das mais diferentes etnias e culturas”. Trecho da Carta da 3ª Jornada.
  • 4ª jornada (25 a 28 de maio de 2005). A agricultura convencional perde a cada ano, 20 toneladas de solo por hectare cultivado. Para cada quilograma de soja produzida, são perdidos 10 quilos de solo, que vão para os rios, assoreando-os e contaminando-os com agrotóxicos, eliminando a fauna e flora e envenenando a água que é o bem mais precioso da humanidade. Trecho da Carta da 4ª Jornada.
  • 5ª jornada (7 a 10 de junho de 2006). “No caso brasileiro, é exemplar a forma criminosa como as transnacionais invadiram o território nacional com os cultivos transgênicas através do contrabando, contaminando em larga escala a produção agrícola. O ‘fato consumado’ criou as condições para a imposição de uma política nacional de biotecnologia, primeiro através de medidas provisórias e, depois, pela aprovação da Lei de Biossegurança, medidas que garantiram a impunidade das transnacionais e fortaleceram seu controle sobre os agricultores”. Trecho da Carta da 5ª Jornada.
  • 6ª jornada – (11 a 14 de junho de 2007). “A presença do Estado no apoio às famílias camponesas que praticam a agroecologia tem se restringido à iniciativas pontuais e dispersas. São ações desarticuladas que não se constituem em Política Sistemática, Permanente e Estruturante, impondo às famílias e suas organizações o ônus maior pela sua implementação”. Trecho da Carta da 6ª Jornada.
  • 7ª jornada – (11 a 14 de julho de 2008). “Estudos revelam que não houve uma mudança significativa dos estoques de alimentos que justifique, na lógica do capital, a elevação dos preços. Portanto, o que se verifica é uma crise gerada pela especulação financeira sobre os alimentos”. Trecho da Carta da 7ª Jornada.
  • 8ª jornada – (27 a 30 de maio de 2009). “Denunciamos a contaminação genética das sementes crioulas e convencionais pelos cultivares transgênicos com prejuízos irreparáveis à agrobiodiversidade e à economia, bem como, o incremento da contaminação do meio ambiente e dos alimentos por agrotóxicos. No Paraná, a liberação dos transgênicos aumentou em mais de 400% o uso de agrotóxicos”. Trecho da Carta da 8ª Jornada.
  • 9ª jornada – (19 a 22 de maio de 2010). “A soberania alimentar do Brasil segue sendo resultado do trabalho da agricultura familiar camponesa, historicamente responsável por 70% do abastecimento da população e geração de grandes excedentes de alimentos exportados. Esta mesma agricultura familiar camponesa gera mais postos de trabalho no campo, mesmo preservando uma área de florestas maior que o latifúndio e utilizando uma área 200% menor que o agronegócio”. Trecho da Carta da 9ª Jornada.
    (ACS)
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