Afirmação é da engenheira florestal Cláudia Sonda, do Instituto Ambiental do Paraná. Experiências mostram que agroecologia é o caminho pra proteger o meio ambiente
Por Alan Tygel | Foto: Júlia Rohden
Duas semanas após os incêndios na Amazônia que chocaram o mundo, a cidade de Curitiba recebeu a 18ª edição da Jornada de Agroecologia. A praça Santos Andrade virou palco para centenas de camponesas e camponeses que produzem alimentos saudáveis, geram renda para as suas famílias e de quebra preservam e recuperam o meio ambiente.
Jonas Souza é uma liderança do pré-assentamento José Lutzenberger, em Antonina, litoral paranaense. A história do local é a prova concreta de que a agroecologia é uma ferramenta de recuperação ambiental.
A terra maltratada pela pecuária foi ocupada em 2003. Jonas explica: “No litoral, temos um lençol freático muito próximo do solo, e o búfalo é um animal muito pesado. Houve então um rebaixamento do solo e a compactação. Quando chovia, não tinha infiltração no solo e ficava tudo alagado.”
De acordo com Cláudia Sonda, engenheira florestal e servidora do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), e ex-superintendente do Incra no Paraná, este caso não é exceção. Para ela, o senso comum imagina os assentamentos de reforma agrária são grandes desmatadores. No entanto, a realidade é outra.
“Nós tínhamos os dados sobre reservas legais e Áreas de Preservação Permanente (APPs) existentes e a recuperar. E o que tinha a recuperar nos assentamentos era muito pouco. Não era aquele rombo que imputam à reforma agrária. Ao contrário, os latifúndios é que não tinham reserva legal. As plantações de soja, pasto e cana demandavam a compensação da reserva legal fora da propriedade. E a grande maioria dos assentamentos tinha reserva legal no imóvel.”
Por conta do avançado estágio de degradação da terra, as famílias do acampamento José Lutzenberger tiveram muitas dificuldades. Jonas conta que foi necessário diversificar a produção, e utilizar árvores nativas para recuperar o solo. Após cinco anos de tentativas frustradas, foi iniciado um trabalho com agroflorestas e “deu resultado de imediato”, afirma Jonas. “Com isso melhoramos o solo, gerando produção de alimentos pras famílias e gerando renda. Hoje as famílias trabalham de forma cooperada e todas trabalham na agroecologia, ou seja, é uma área livre de agroquímicos”, continua.
Desmatamento e retrocesso ambiental
Histórias como a do acampamento José Lutzenberger estão na contramão da política ambiental de Jair Bolsonaro. Sua campanha eleitoral foi marcada por duas promessas na área ambiental: extinção do Ministério do Meio Ambiente e retirada do Brasil do Acordo de Paris. Mesmo que nenhuma das duas tenha sido concretizada, as ações do governo têm ido no sentido de esvaziar toda a política ambiental construída no país até hoje.
Esta é a opinião de todos os ex-ministros do meio ambiente vivos, desde que a pasta foi criada em 1992:
“A governança socioambiental no Brasil está sendo desmontada, em afronta à Constituição”, afirmaram os ex-ministros em manifesto divulgado em maio deste ano. “Estamos assistindo a uma série de ações, sem precedentes, que esvaziam a capacidade de formulação e implementação de políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente.”
Além das ações efetivas do governo, as falas do presidente parecem ter dado carta branca aos desmatadores. No dia 10 de agosto, produtores rurais na região Amazônica decretaram o “dia do fogo”. De acordo com eles, seria necessário “mostrar para o presidente (Jair Bolsonaro) que queremos trabalhar e o único jeito é derrubando. Para formar e limpar nossas pastagens é com fogo”, teria afirmado um produtor, segundo o jornal Folha do Progresso, do Pará.
Mesmo avisado com antecedência, o Ibama não agiu para coibir as queimadas. O órgão afirmou que os recentes ataques sofridos pelas equipes e a ausência da Polícia Militar colocariam em risco a segurança dos servidores. O resultado foi aumento de até 3 vezes no número de focos de incêndio em diversos municípios da região.
Reforma Agrária e Agroecologia para defender o meio ambientes
A Engenheira Cláudia Sonda desenvolveu uma hipótese: “a Reforma Agrária é o grande programa ambiental”. Sua pesquisa aponta que a área de reserva legal dos assentamentos de reforma agrária no Paraná equivale à área das unidades de conservação. Assim, investir na estrutura dos assentamentos seria um grande avanço na proteção ambiental. E para isso, a agroecologia é o caminho.
“A agroecologia tem que ser universalizada, tem que ser uma Revolução Verde de verdade, agroecológica.” Cláudia se refere ao movimento global chamado de Revolução Verde, que após a segunda guerra introduziu agrotóxicos, fertilizantes químicos e sementes melhoradas de forma massiva na agricultura.
Ela continua: “Com investimento público, com assistência técnica do órgão ambiental, a estrutura governamental tem que bancar a agroecologia. Ela não pode ser mais somente a resistência dos povos. Ela pode acolher essa experiência dos povos, da reforma agrária. Mas se não for assim vai continuar sendo uma resistência.”, afirma Cláudia.
Jonas vai além, e apresenta também a sua visão da agroecologia como projeto de vida:
“A agroecologia é um modelo que vem pra contribuir com o cuidado da vida: vida humana, vida da terra, da água, das plantas dos animais. Com a agroecologia, a gente consegue direcionar tanto as unidades de conservação quanto as áreas degradadas por esse sistema para uma recuperação. Então eu vejo que a proposta de desenvolver a agroecologia dá um ganho pra toda a sociedade, além de produzir alimento altamente rico, saudável e diverso.”, conta Jonas.
E no último fim de semana, a sociedade curitibana teve acesso a esses alimentos. Mais precisamente, 18 toneladas, vindas de 12 cooperativas, 2 associações, 21 assentamentos e 7 acampamentos da reforma agrária.
Tudo isso, aliando produção agrícola à preservação do meio ambiente. Como afirma em sua carta final, a Jornada de Agroecologia “é um processo permanente e contínuo de trocas de saberes: no cultivo da terra, no semear da agrobiodiversidade e no cuidar da água, na colheita da soberania alimentar, no uso das plantas medicinais e terapias naturais, nas escolas do campo, nos conhecimentos dos guardiões e guardiãs das sementes e na ciência cidadã. É uma construção de projeto popular soberano, com arte, cor, sabor, amor, cultura, poesia e alimento saudável.”
Infelizmente, este projeto tem sofrido muitos ataques. O próprio acampamento José Lutzenberger, símbolo da produção de alimentos aliada a preservação ambiental, está ameaçado. Após ganhar em 2017 o prêmio Juliana Santilli de agrobiodiversidade, as famílias têm contra si uma ordem de despejo, por ora suspensa. O julgamento em 2a instância ocorrerá em breve.
A situação do acampamento parece um resumo do que acontece no país: os que preservam e cuidam da vida se veem ameaçados por um sistema destruidor.
“Tudo são sinais concretos de que a situação não está boa, está doente.”, afirma Cláudia Sonda. Mas ela tem esperança: “Precisamos repactuar o modo de produzir nesse momento. Não é fatalismo. Enquanto há vida, há esperança, mas a gente tem que assumir o comando”, finaliza.
[…] Alan Tygel/Jornada de Agroecologia | Foto: Joka Madruga/Terra Sem […]
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