A agroecologia como forma de superação da fome

Por Assessoria de Comunicação Professora Josete

*Na primeira entrevista da série É possível, conversamos com Adriana Oliveira, coordenadora do Marmitas da Terra, coletivo que partilhou nos últimos dois anos 130 mil refeições às pessoas em situação de vulnerabilidade em Curitiba e região

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) atingiu a marca de 130 mil refeições distribuídas às pessoas em situação de vulnerabilidade em Curitiba e Região Metropolitana. Esse trabalho foi iniciado há pouco mais de dois anos, no início da pandemia da Covid-19, envolvendo primeiramente a militância Sem Terra e um grupo de trabalhadores urbanos. Ao longo deste período um grupo foi se somando as ações e hoje essa rede conta com 230 voluntários que formam o coletivo Marmitas da Terra.

A frente das ações de solidariedade está uma mulher negra que tem a militância em seu sangue. Adriana Oliveira é uma das coordenadoras do Marmitas da Terra. A luta está em seu DNA e seu primeiro contato com os Sem Terra aconteceu no berço de fundação do movimento social, o Oeste do Paraná. “Conheci o MST em Cascavel a partir de sua fundação, pois meu pai era sindicalista. Vim para Curitiba para fazer o curso de História e minha conclusão de curso foi sobre a educação do MST”, conta Adriana, que hoje é responsável pela Secretaria Estadual do MST em Curitiba.

Toda iniciativa protagonizada pelos Sem Terra carrega um simbolismo e um viés pedagógico e a partilha das refeições oriundas da reforma agrária não é diferente. O Marmitas da Terra surge a partir de uma homenagem ao agricultor Antonio Tavares e como forma de lembrar os 20 anos de seu assassinato. Ele foi mais uma vítima do latifúndio executada por policiais militares em 2 de maio de 2000, quando cerca de 2 mil trabalhadores rurais rumavam à Curitiba para participar de uma marcha em defesa da reforma agrária. E como vários crimes do latifúndio, sua execução segue impune após 22 anos.

“Iniciamos essa discussão na Jornada de Lutas de Abril de 2020 e optamos por fazer uma marmita que tivesse a característica do enfrentamento necessário para o momento. O assassinato do Antonio Tavares aconteceu após uma liminar que impedia o MST de entrar em Curitiba. Então, como memória a essa data, entraríamos em Curitiba com uma disputa de projeto e essa disputa se daria pela distribuição de alimentação a quem estava com fome”, relembra a dirigente do MST.

Voluntários do Coletivo Marmitas da Terra no preparo das refeições. Foto: Julio Carignano

Segundo Adriana, na marmita partilhada pelo coletivo está contida um projeto em disputa, que é o projeto popular da reforma agrária e da agroecologia. Preparadas com alimentos saudáveis, na maioria deles agroecológicos, as refeições são compostas por arroz, feijão, carne e quatro variedades de alimentos. Os legumes e verduras são oriundas do Assentamento Contestado, na Lapa.

Desde abril de 2020, semanalmente, são partilhadas uma média de 1,1 mil refeições para população em situação de rua em praças do centro de Curitiba e para moradores de ocupações urbanas. “Além de matar a fome de quem precisa, nossa marmita tem um caráter diversificado na alimentação e é uma forma de disputar a narrativa em prol da agroecologia”, destaca a coordenadora do projeto.

Mutirões e hortas coletivas

O trabalho do coletivo Marmitas da Terra vai além do preparo e entrega de refeições. Há cerca de um ano e meio, a rede de voluntariado se desloca ao Assentamento Contestado para plantar e colher no espaço das hortas coletivas. “Com a experiência dos mutirões temos conseguido furar a bolha, estreitando a relação do campo com a cidade. É uma oportunidade de trabalhadores urbanos estarem pisando em um território do MST e ver na prática a produção de alimentação saudável a partir de uma terra repartida”, comenta Adriana Oliveira.

Na opinião da dirigente Sem Terra, a partilha das refeições semanalmente às pessoas que passam fome oportuniza a discussão de um projeto popular coletivo, que debate para além da insegurança alimentar, as formas de organizações coletivas para a superação deste problema.

Adriana Oliveira no preparo das Marmitas da Terra. Foto: Leonardo Henrique

Miséria e fome

Apenas quatro em cada dez famílias brasileiras têm acesso pleno à alimentação e 33 milhões de pessoas passam fome no país. Esses números alarmantes foram divulgados no dia 8 de junho pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). Trazendo para a realidade local, são 250 mil pessoas em insegurança alimentar no Paraná e 89 mil pessoas em situação de pobreza em Curitiba.

Ao avaliar esse cenário, a coordenadora do Marmitas da Terra apresenta a reforma agrária como a grande possibilidade do Brasil sair do Mapa da Fome, situação que retornamos nos governos do golpista Michel Temer e do genocida Jair Bolsonaro.

“A reforma agrária é uma medida necessária para erradicação da fome. Quanto maior é o ‘desenvolvimento’ do agronegócio em um território, maior também é a fome naquele local, pois o agronegócio são grandes extensões de terra, de monocultura, de uma única pessoa que não mora naquele município, que não gasta daquele município e não depende da relação com aquele município. Por outro lado, neste mesmo território onde predomina o agronegócio, há a predominância de pessoas empobrecidas, sem emprego, nas periferias”, afirma Adriana.

A dirigente do MST ainda lista outras iniciativas coletivas nos centros urbanos, como as cozinhas e hortas comunitárias, as padarias coletivas, entre outras. “São formas de matar a fome nestes território e ainda uma oportunidade de geração de renda, com a comercialização do excedente”, comenta.

Agroecologia vai além do alimento

Adriana Oliveira destaca que a agroecologia vai além do alimento, é cooperação e solidariedade, destacando questões como ancestralidade, ciência, troca de saberes tradicionais e populares, soberania alimentar, o vínculo com a terra e protagonismo das mulheres e do povo negro.

“A união de todos esses elementos é a agroecologia, ela representa o projeto que defendemos. É preciso investir na agroecologia e na agricultura familiar, desenvolvê-la, pois ela é mais produtiva, saudável e sustentável. Precisamos cultivar essa nova possibilidade de sociedade como forma de contrapor esse modelo desumano do capital que empobreceu o trabalhador e aumentou a fome no país”, conclui Adriana Oliveira.

Mutirões no Assentamento Contestado une trabalhadores do campo e da cidade. Foto: Giorgia Prates
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