Detentores do conhecimento agroecológico, povos indígenas participam em peso da Jornada de Agroecologia

Por Rita Hilachuk

Agroecologia envolve natureza, pluralidade e equilíbrio. Após dois anos sem ser realizada, a Jornada de Agroecologia voltou para Curitiba com sua 19ª edição e discutiu os caminhos de construção para o projeto agroecológico. Um dos pontos que merecem destaque em 2022 foi a participação dos povos indígenas. Neste ano, o Campus Rebouças da Universidade Federal do Paraná (UFPR) recebeu 15 etnias indígenas vindas de todo Estado.

Composta pela Feira da Agrobiodiversidade, Espaço Saúde Popular, seminários e apresentações culturais, essa foi a primeira vez que os povos indígenas participaram da programação da Jornada. O evento se expandiu com a inclusão de seminários sobre território, violência de gênero, ervas medicinais, apresentação de coral, entre outros programas.

Somos todos filhos da Terra –   Wanãn Jamamadi

Entre colares e ervas,  Wanãn Jamamadi, 73 anos, apresentou suas peças e conversou bastante com os visitantes que passaram por sua barraca na Feira da Agrobiodiversidade. Confira abaixo nossa boa prosa com ela.

Wanãn Jamamadi. Foto: Vanda Moraes.

Reportagem: Como está sendo participar da Jornada de Agroecologia?

Wanãn: Tá sendo muito bom, tem muita gente passando por aqui.

Reportagem: De onde a senhora é?

Wanãn: Bom, eu morava no Amazonas, me casei e fui morar no Acre no tempo que o pessoal estava vendendo o seringal e botando o povo para morar na cidade. Tirava o povo da fartura pra morar na cidade, né? Fui morar nas colônias. Marido sempre trabalhando como agricultor e eu trabalhando de agricultora também. Tive duas filhas e me deram outra filha que eu criei. O pai morreu e eu fiquei aguentando sozinha, lavei bastante roupa pra fora, engomava, fazia faxina. Elas (as filhas) foram crescendo. Arrumei um outro rapaz que disse que ia me ajudar, foi o contrário – deu ruim, né? Arrumei foi trabalho (risos). Vivi 19 anos com ele até que ele faleceu. As filhas cresceram e nunca pararam de estudar.

Pra ti, qual o significado de produzir medicina?

Agora, no momento, eu vejo que o povo tá precisando. Por que aqueles remédios te deixam ainda mais doente. Que nem aquela cloroquina para Covid, aquilo não é remédio para ninguém beber!

Na cidade grande, o pessoal não tem muito contato com a cultura indígena. O que a senhora pensa do pessoal estar vindo aqui para a feira e poder ver e levar para casa as coisas que vocês produzem?

Eu explico para eles como é essa e aquela planta. Quando havia um povo indígena que passava fome. Até que um dia uma índia morreu de tanto passar fome e eles continuaram morrendo. Aí nasceu um pé dessa planta que se chama açaí lá onde a índia foi enterrada. Você sabe o significado dessa pintinha? É lágrima da índia que morreu. Fizeram farinha da fruta e mataram a fome do povo. Você olha dentro das sementes e sempre tem um desenho e tem um significado, mas continua sendo a lágrima da índia. Quando eu vendo, eu mesma sempre conto. Quanto mais você usa, mais significado dá.

Há quanto tempo a senhora trabalha com as coisas que estão aqui?

Tá com mais de 25 anos que eu mexo com meus colares e minhas miçangas. Com as plantas e a medicina tem mais tempo ainda. Eu ensino e eu aprendo. Sempre vivi assim, ensinando e aprendendo.

Quais são os materiais usados na confecção dos remédios?

Bom, o que dá de trazer eu trago. Tem a parte de medicina caseira – tintura e sabão. Tem a parte de tintura e folhas e tem a medicina em extrato e pomada e liquido para remédio. Aquele mel para tosse que a criança tosse e não é fácil. Uso folha, casca engarrafada.

Sabia que esta é a primeira vez que os povos indígenas estão tendo grande participação na feira?

Essa é uma conquista nossa. Minha filha Marilene fala muito disso. A gente foi conversar com eles para a gente se reunir, por que não podia ficar assim, a gente não tem muita oportunidade por aí. Eu falei assim: “Não pode ficar assim, não pode desprezar”, somos todos filhos da Terra. Esses que estão nos desprezando, não sabem nem de onde vieram. Pisam no mesmo chão que a gente pisa e estamos ligados a eles até hoje. E a gente segue lutando até no sentido de poder ter sua casa, sua farinha e seu peixe. 

Violência acomete povos indígenas dentro e fora das aldeias

“Se a gente não falar da dificuldade nossa, a gente sempre vai estar sofrendo. Por isso estamos aqui, para fazer uma soma com vocês e pensar uma maneira de como resolver as violências contra indígenas, não só no Paraná, mas em todo Brasil porque essa situação se repete”, enfatizou Jovina Rehn Ga, da etnia Kaingang e vice-presidente do Conselho Nacional de Mulheres Indígenas. Na ocasião, relembrou os episódios de violência como o assassinato do menino Vitor em Imbituba (SC), os ataques terroristas da polícia Amambaí (MS) na última sexta-feira (24) e o assassinato do na Aldeia Indígena Rio das Cobras. E no Amazonas. 

Outra pauta discutida foi a  violência de gênero sofrida por mulheres indígenas dentro e fora das aldeias. “Eu sofri vários tipos de violência e tô aqui tendo coragem. Vi tanto mulheres da minha e de outras etnias sofrendo violência. Tem mulher que fica calada e eu fui uma dessas mulheres”, lembra Jovina. “Nós temos que lutar e procurar quem somar conosco nessa luta.Não podemos ficar caladas”, enfatizou.

Foto: Leandro Taques

A participação dos povos indígenas na Jornada serve para relembrar que eles são o berço da agricultura brasileira. Assista a entrevista da representante indígena Kixirrá Jamamadi, da etnia Kaingang.

“São os povos originários que detém o conhecimento em agroecologia. Temos a nossa medicina, nosso jeito de usar as ervas. Temos as nossas sementes, que são um bem precioso e que nós sabemos como cultivar e proteger”, declarou Jovina. A Jornada de Agroecologia segue com seu ideal, superando e questionando dificuldades e construindo uma nova história, que dá voz para a diversidade e valoriza quem constrói o projeto em conjunto. Nos próximos anos, a expectativa é de que o evento seja ainda maior.

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