“Alimento como Resistência Cultural”, é tema de uma roda de conversa na 20ª Jornada de Agroecologia

Foto: Juliana Barbosa

Por: Jade Azevedo

Primeiro dia da 20ª Jornada de Agroecologia começa trazendo o tema do alimento como resistência cultural. Numa roda de conversa, no Espaço da Saúde, centro da feira, a cozinheira, empreendedora do restaurante “Cuscuz da Irina”, em São Paulo, compartilhou um pouco do que a motiva cozinhar, a influência da sua ancestralidade nordestina na escolha do que ela oferece e o que ela defende enquanto militante da alimentação em suas redes sociais. “Minha avó era uma mulher que cozinhava, e compartilhou comigo muitos saberes e eu organizo esses saberes e uso a internet para falar dessa minha potência, como uma mulher nordestina, principalmente no sudeste a gente vai aprendendo a podar o sotaque e a neutralizar da onde a gente veio, eu tive a coragem de fazer o inverso”, conta. 

Cercada de benzedeiras, curandeiras, mulheres de diferentes idades, do campo e também da área urbana, o espaço da saúde virou uma grande roda de troca de saberes sobre alimentação, agroecologia e a importância de se plantar, seja na roça, quintal ou num espacinho do apartamento, como o início do processo de valorização da cultura alimentar, que nutre mais que o corpo.

Todas ali reunidas, numa grande troca de experiências, o tema foi ganhando força e de diferentes pontos de vista, cada uma trouxe um pouco da sua relação com a comida, o alimento que nutre física e culturalmente e que vem resistindo na luta pelo espaço físico e ideológico, que o agronegócio vem implantando descaradamente através dos meios de comunicação e lobby político. 

Izabel Grein, integrante do setor de gênero do MST, trouxe em sua fala a resistência que os camponeses vem fazendo ao projeto político de agronegócio, ao relembrar a experiência de seus pais, que nos anos 50 já tiveram que resistir em inserir o uso do milho híbrido em sua produção. 

Foto: Juliana Barbosa

Segundo Irina, o milho, elemento central do cuscuz, afirma que atualmente a grande dificuldade que ela enfrenta hoje é a de encontrar fornecedores agroecológicos, que defendem o ideal do seu restaurante, respeito ao método de produção, ao meio ambiente e às pessoas. “Num país que tem uma cultura do milho que é tão ancestral na minha família, no nordeste a gente vive o festejo do milho, hoje em dia com a monocultura do agronegócio ele virou uma grande maldição”, conta. 

A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL DO ALIMENTO

Irina explica que a decisão de abrir o  “Cuscuz da Irina”, seu restaurante, sempre foi de resgate da cultura ancestral do milho, da culinária potiguar, do nordeste, porque para ela existe uma preocupação em transformar a relação da sociedade sudestina com o milho e com o cuscuz. “No restaurante a gente trabalha com grãos do MST e de uma cooperativa só de mulheres lá do nordeste. Eu fico muito feliz de ver essas transformações na produção acontecendo enquanto estou viva, é o que me faz acreditar que o mundo pode mudar muito mais”, diz. 

Irina Cordeiro é idealizadora e chef do restaurante “Cuscuz da Irina”, em São Paulo | Foto: Juliana Barbosa

Izabel, contou que tudo o que ela cozinha vem do seu quintal. “Na casa em que morei nunca deixei de produzir o que como, hoje faz 6 anos que moro em Mafra, num terreno pequeno. Produzo tudo que eu como. Esse ano produzi todos os feijões que comi, uma variedade imensa de feijões e cada semana eu como um”, conta. Assim como Irina que ressaltou que seu primeiro contato com a comida foi no quintal da avó. “O alimento vai além do que a gente ingere quando tive meu primeiro contato com a alimentação, o que me alimentava eram outros sentidos. A gente tinha no quintal, uma cultura muito bonita”, diz.

Serla Morais, Direção Nacional do MST, integrante do setor de saúde do movimento, explica que a agroecologia é o oposto da monocultura e traz com ela essa relação do ser humano com a terra, a comida, o alimento e nosso bem estar. “A agroecologia é nossa vida e o quanto ela vai garantir a nossa vida. Ela não está fora do nosso cotidiano. 

Foto: Juliana Barbosa

Dalila, 31, engenheira ambiental, que participa da roda, contou que sua relação com a alimentação começou depois de um problema de saúde. “Decidi me tornar lacto vegetariana por um problema no joelho, eu estava usando bengala e resolvi cortar a carne. Neste processo de reeducação alimentar, eu vi como me nutrir, me alimentar direito foi bom. Eu tô com 31 anos, cada vez mais forte e não ando mais de bengala”, compartilhou.

O poder do nosso corpo é falar com a gente e ao longo da nossa jornada a gente vai aprendendo isso, acrescenta Irina. “A gente tem que tá aberto para entender, e entender que não adianta só ouvir nosso corpo enquanto a gente tem uma sociedade que me enche de veneno”, ressalta.

O Setor de Saúde do MST tem como lema que a saúde é um trabalho de cuidado do indivíduo, comunidade e luta contra todas as opressões. Por isso, a agroecologia é o caminho para tentar reverter as mudanças climáticas e também combater a fome, “fome de diversidade de nutrientes, de regionalismo alimentar no prato de cada um que vivemos atualmente no mundo”, complementa Irina.

Neste ano, a edição contou com A atividade tem patrocínio Itaipu Binacional, Conselho Nacional Sesi, Fundação Banco do Brasil e Governo Federal, com apoio da Agroecology Fund, Secretaria de Agroecologia e Abastecimento, Incra, Conab, Ministério Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e Governo Federal.

A programação completa da 20ª Jornada de Agroecologia pode ser acessada em: https://jornadadeagroecologia.org.br/.

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