Artesanato, oficina, cantos e seminários: povos indígenas do Paraná compartilham saberes ancestrais na 20ª Jornada de Agroecologia

Com forte presença feminina, indígenas convocaram o povo da cidade para barrar a crise climática e pensar a saúde popular

Foto:  Ana Beatriz Pazos 

Por Isabela Cunha

A Jornada de Agroecologia é um evento de fôlego que busca discutir de maneira profunda os desafios e possibilidades da agroecologia como projeto de transformação da sociedade. Ao longo da programação da 20ª edição, que aconteceu entre os dias 22 e 26 de novembro, na UFPR – Rebouças em Curitiba, seminários, oficinas, palestras, conferências e apresentações culturais foram organizadas para que os povos do campo, da floresta, dos rios e da cidade pudessem se articular e se fortalecer a partir dos saberes e fazeres agroecológicos. Uma proposta como essa não poderia ser realizada sem a presença indígena.

Para garantir essa aliança, a cacique Andrea Guarani foi uma das lideranças presentes na programação e, além de assistir a jornada, também participou de debates sobre saúde popular e luta feminina. “É a primeira vez que eu participo da Jornada, e eu não vim sozinha. Junto com outras mulheres falamos sobre as ervas medicinais e a luta pela saúde popular”, contou em entrevista. Para ela, o evento reforçou a intuição que já tinha sobre a necessidade abrir os territórios e os saberes originários para os povos não-indígenas. “A gente vê que todo o pensamento sobre saúde está muito industrializado, tem tudo muito fácil na farmácia. E a gente quer mostrar que por fora dessa indústria tem uma espiritualidade que nos ajuda a encontrar a cura”, comenta.

Foto:  Ana Beatriz Pazos 

A indígena Kixirrá Jimamadi explicou que seu trabalho segue a mesma linha. “Para nós, mulheres indígenas Jamamadi, a cura brota da natureza, das medicinas naturais bem plantadas, em terra sadia e sem veneno”, reforça. Kixirrá trouxe para a programação da Jornada debates sobre mulheres, ervas medicinais e sobre a Cannabis medicinal. “Por que não aprendemos mais sobre essa planta milenar que está dentro da farmácia viva de tantos povos? Por que o Brasil insiste em criminalizar uma planta por conta de um cigarro natural, sendo que o outro, que comprovadamente mata, é vendido normalmente? O que eu tentei foi fazer essa discussão dentro da lógica da saúde popular, porque mesmo com toda a potência medicinal, eu sei que há muito preconceito dentro das aldeias e dos nossos territórios”, analisa.

Artesanato, natureza e belezas vivas

Além dos seminários e oficinas,  a presença dos povos indígenas também teve grande expressividade no sentido das expressões artísticas e da cultura. A Feira da Agrobiodiversidade, parte da programação da Jornada, contou com um setor de artes e artesanato que teve joias indígenas como um de seus destaques. “O nosso artesanato traz um discurso muito ideológico e até filosófico, porque se tratam de joias vivas, feitas a partir de plantas que não foram mortas para se transformar em acessórios. Ao contrário, são sementes selecionadas, e são deixadas na terra aquelas que podem ainda se regenerar. Você tem o pau brasil, a sororoca, e se você não usa essas joias, elas morrem como as pérolas”, conta Kixirrá. “é uma beleza viva, traz o entendimento de que eu não preciso desmatar para ficar bonita”, conclui.

Fotos: Vândala

Além do artesanato, os povos indígenas levaram apresentações culturais, rezas e mística para vários momentos da jornada, como o seminário de discussão sobre a luta das mulheres, que teve uma linda abertura com cânticos indígenas. “É preciso compreender que a nossa presença não se dá só pela fala, ou pela formação. A nossa presença é nosso canto, nosso espírito, nossas cores, nossa voz”, proclama a indígena Jovina Renhga, etnia Kaingang.

Uma luta de mulheres

É notável, quando observamos a atuação dos indígenas na Jornada, que há uma presença forte de mulheres. Os homens estão muito presentes, mas mais de uma vez a liderança, representação e articulações são assumidas pelas mulheres, que falam e ensinam. Para a cacique Andrea Guarani, essa é uma surpresa apenas para quem está fora dos territórios indígenas. “A luta da mulher indígena é a mesma do povo indígena, é a luta pelo território, para manter a nossa cultura e pelos nossos direitos. E ela é muito mais forte e mais difícil por sermos mulheres. Dentro dos territórios é comum ver mulher na liderança, mas fora ainda existe a expectativa de que o cacique seja aquele senhor, homem, mais velho, e a gente vem quebrando essa barreira, que existe fora do território e não dentro”, explica a Cacique.

Para ela, a mensagem dos indígenas está chegando aos poucos “A participação indígena nesse meio, nesses eventos importantes como a Jornada, ainda é menor do que a gente gostaria. Somos muitos povos com a sabedoria de viver e preservar o território e a floresta, o certo seria estarem todos aqui, mas a gente vai melhorando”, conclui.

Foto:  Ana Beatriz Pazos 

Para Kixirrá, a participação dos povos indígenas cumpre a tarefa de trazer provocações. “Como diz uma música que eu ajudei a criar quando eu ainda era adolescente: ‘eu tô aqui pra cutucar, cutuca aqui, cutuca lá’, eu tô cutucando, sabe? Eu não quero chamar atenção, eu quero acordar mentes, cutucar para ver se o povo entende que se trata de defender a nossa casa, o nosso planeta. E essa casa comum é a única, não tem Plano B. Eu espero estar cutucando e acordando as pessoas para isso” conclui.

A 20ª Jornada de Agroecologia recebeu povos guarani, Kaingang, Jamamadi, do Paraná, e Noke kuin, do Acre. Entre as participações, os povos indígenas trouxeram os seguintes seminários e oficinas: “Cannabis medicinal na saúde popular” com Coletivo Urbano Indígena; Feminismo, segurança e soberania alimentar na construção da agroecologia: o protagonismo das mulheres do campo, da floresta e das águas”; “Corpo e Natureza com mulheres indígenas – Ervas”; “Erva-mate e o povo Guarani”; “Movimento das Mulheres Guaranis”

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