Jornada

Um atlas de nossa agricultura envenenada

Os mapas produzidos por Larissa Mies Bombardi são chocantes. Quando você acha que já chegou ao fundo do poço, a professora de Geografia Agrária da USP passa para o mapa seguinte. E, acredite, o que era ruim fica pior. Mortes por intoxicação, mortes por suicídio, outras intoxicações causadas pelos agrotóxicos no Brasil. A pesquisadora reuniu os dados sobre os venenos agrícolas em uma sequência cartográfica que dá dimensão complexa a um problema pouco debatido no país. Ver os mapas, porém, não é enxergar o todo: o Brasil tem um antigo problema de subnotificação de intoxicação por agrotóxicos. Muitas pessoas não chegam a procurar o Sistema Único de Saúde (SUS); muitos profissionais ignoram os sintomas provocados pelos venenos, que muitas vezes se confundem com doenças corriqueiras. Nos cálculos de quem atua na área, se tivemos 25 mil pessoas atingidas entre 2007 e 2014, multiplica-se o número por 50 e chega-se mais próximo da realidade: 1,25 milhão de casos em sete anos. Além disso, Larissa leva em conta os registros do Ministério da Saúde para enfermidades agudas, ou seja, aquelas direta e imediatamente conectadas aos agrotóxicos. As doenças crônicas, aquelas provocadas por anos e anos de exposição aos venenos, entre as quais o câncer, ficam de fora dos cálculos. “Esses dados mostram apenas a ponta do iceberg”, diz ela. Ainda assim, são chocantes. O Brasil é campeão mundial no uso de agrotóxicos, posto roubado dos Estados Unidos na década passada e ao qual seguimos aferrados com unhas e dentes. A cada brasileiro cabe uma média de 5,2 litros de venenos por ano, o equivalente a duas garrafas e meia de refrigerante, ou a 14 latas de cerveja. Em breve, todo o material reunido por Larissa será público. O livro Geografia sobre o uso de agrotóxicos no Brasil é uma espécie de atlas […]

Produzida por mulheres do MST, batata yacon ganha espaço no Brasil

Texto e foto Isadora Camargo. (Portal UOL) Com uma produção agroecológica pioneira no país, há seis anos, um grupo de mulheres de um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) conquista o paladar dos brasileiros com a batata yacon, que pode ser consumida crua e que ainda traz vários benefícios à saúde. A expansão do consumo de alimentos orgânicos também contribuiu para que esse tipo de batata ganhe mais força e presença no mercado, já que a produção se baseia na agroecologia, sem o uso de agrotóxicos, o que favorece a preservação das características ambientais. A iniciativa partiu da Rede de Mulheres em Defesa da Agroecologia do MST no assentamento Emiliano Zapata, localizado a 12 quilômetros da cidade de Ponta Grossa, no interior do Paraná. Em uma horta coletiva, onde também há espécies florestais, a raiz da variedade yacon, originária da Cordilheira dos Andes e que foi muito consumida pelos incas, é plantada e adubada com folhas e troncos de árvores existentes no espaço, como o eucalipto. A agrofloresta, como explica Genecilda Lourenço, de 64 anos, uma das diretoras estaduais da Rede de Mulheres, agrega o plantio de raízes e outras verduras com a presença de árvores de médio e grande porte, sem falar no matagal nativo. A experiência é desenvolvida nos assentamentos do MST para promover a produção de alimentos sem agrotóxico e sem desperdício, incluindo o de água. Depois do início do trabalho, o líder do assentamento pediu apoio de profissionais de nutrição do Banco de Alimentos, órgão que distribui a produção do MST para entidades, hospitais e comunidades carentes. O plantio é feito uma vez por ano, em agosto, e a colheita pode gerar até 800 quilos em 630 hectares de horta coletiva, garantindo dessa forma as condições necessárias de manutenção do ecossistema. “É feito uma […]

Trabalho jornalístico contribui na luta por demarcações no Paraná

Um trabalho voluntário com o intuito de contribuir com a luta pelo direito a terra e cultura dos povos indígenas no Paraná. Assim pode ser descrito o documentário “Sem tekohá não há teko”, produzido por jornalistas no Oeste do Paraná. O curta-metragem será exibido na segunda-feira (11/7), às 19 horas, na Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná), campus de Cascavel. Aberta ao público, a exibição é organizada pela Comissão de Terras Guarani do Oeste do Paraná e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (SindijorPR) e contará com uma roda de conversa com participantes da produção e lideranças de aldeias do município de Santa Helena. A jornalista Kethleen Simony explica que o trabalho surgiu de visitas em comunidades indígenas a convite do indigenista e professor da Unioeste, Paulo Porto Borges. “Fomos conhecer as aldeias “Lugar de gente alegre” e “Dois irmãos”, em abril de 2015. Conversamos com as lideranças indígenas, em Santa Helena e voltamos pra Cascavel cheios de inspiração para fazer a função primeira do jornalismo, a social”. Kethleen recorda da produção do documentário. “O repórter cinematográfico Ivancley Carneiro abraçou a ideia, junto do editor de imagens (que atuou como cinegrafista), Bruno Limberger. Foram dois dias de gravações, em junho e setembro. Fins de semana em que as folgas do trabalho, do dia a dia, coincidiam. A jornalista Lila Lima acompanhou cada detalhe, e foi apoio a todo tempo. A doutora e também amiga, Alba Feldman, veio de Maringá conhecer as aldeias e dar sua contribuição valiosa”. A expectativa da jornalista é que o trabalho voluntário contribua na divulgação da luta pelas demarcações de terras tradicionais no Oeste do Paraná. “Nossa principal torcida é que as demarcações se concretizem e que mais pessoas tenham oportunidade de aprender com os Guarani e sobre a sua cultura. Uma rica oportunidade […]

Homenageado pelo agronegócio, Temer diz que aplicará “medidas impopulares”

O presidente em exercício Michel Temer disse nesta segunda-feira (4) que não teme propor medidas impopulares “se forem para melhorar o país”. “As pessoas me perguntam: Você não teme propor medidas impopulares? Não. O meu objetivo não é eleitoral. Se eu ficar mais dois anos e meio e conseguir colocar o Brasil nos trilhos, para mim basta. Não quero mais nada da vida pública”, declarou. Pouco antes, o presidente interino minimizou e defendeu o aumento salarial ao funcionalismo aprovado na Câmara e que custará R$ 58 bilhões e que pode afetar a meta fiscal deste ano, de déficit de R$ 170 bilhões. “Se não fizéssemos aquele acordo em níveis abaixo da inflação, corríamos o risco de ter greve nos setores essenciais, uma coisa politicamente muito desastrosa para o país”, disse. Temer participou de um evento organizado pelo agronegócio chamado Global Agrobusiness Fórum, em São Paulo. Ao falar de algumas medidas que quer tomar, citou exemplos como desvinculação das receitas orçamentárias, a modificação da meta fiscal, a proposta limitadora de gastos (que terá também os estados incluídos) e a renegociação das dívidas dos governos estaduais. Apesar de chamar os programas sociais de “essenciais”, Temer disse que “ter lucro não é pecado” e que “para recuperar o emprego, é preciso que a indústria cresça, o agronegócio cresça, o comércio cresça”. O interino recebeu em mãos um manifesto de apoio da elite brasileira e disse que irá “enquadrar” e deixar o documento na parede. A carta é assinada por 45 entidades, entre elas a CNA (Confederação Nacional da Agricultura). “Eu vou colocar esse acordo em um quadro no meu gabinete. É uma coisa importantíssima para nós”, disse Temer. O evento contou com a presença do ministro da Agricultura, Blairo Maggi e dos governadores Geraldo Alckmin (São Paulo) e Pedro Taques (Mato Grosso), além […]

Oito são presos por armazenamento e descarte ilegal de agrotóxicos no RS

A Comissão Permanente de Fiscalização e Controle do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos apresentou, nesta terça-feira (5), os resultados finais da Operação Integrada de Fiscalização (OIF), que resultou na prisão de oito pessoas numa ação realizada entre os dias 27 de junho e 1º de julho no Rio Grande do Sul. De acordo com o promotor de justiça Daniel Martini, a operação teve como objetivo dissuadir o uso irregular dos agrotóxicos e coibir o seu contrabando. “As ações realizadas pelo fórum apresentaram resultados expressivos. Por termos uma fronteira seca, é muito comum a entrada ilegal de agrotóxicos de outros estados e países vizinhos”, explicou. Além das oito pessoas presas em flagrante por armazenamento irregular e descarte ilegal de agrotóxicos, gerando mais de R$ 100 mil em pagamentos de fiança, foram lavrados 46 autos de infração, registradas 29 notificações e apreendidas armas e munições. Uma aeronave também foi apreendida e 21 suspensas ou interditadas, de um total de 52 inspecionadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A operação aconteceu em 12 municípios: Restinga Seca, São Vicente do sul, Rosário do Sul, Cachoeira do Sul, Cruz Alta, Dilermando de Aguiar, Jari, Mata, São Gabriel, Santa Maria, São Pedro do Sul e São Sepé. Irregularidades Esta foi a quarta ação realizada no âmbito da comissão e teve o envolvimento da Anac, Ibama, Fundação Estadual de Meio Ambiente (Fepam), Laboratório de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (Larp-UFSM), Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa), Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do RS (MPRS), Delegacia de Meio Ambiente da Polícia Civil (Dema/PC-RS), e Secretaria de Agricultura, Pecuária e Irrigação (Seapi). Dentre as irregularidades encontradas pelas equipes nas empresas, cooperativas e propriedades agrícolas fiscalizadas destacam-se o uso irregular de agrotóxicos, produtos irregulares ou vencidos, embalagens de agrotóxicos vazias descartadas no ambiente, queima […]

Vandana Shiva: Batalha das Sementes e as ameaças da Monsanto contra a Natureza

O 22 de maio foi declarado Dia Internacional da Biodiversidade pela ONU. Isso oferece oportunidade de tomar consciência da rica biodiversidade desenvolvida por nossos agricultores, como cocriadores junto à natureza. Também permite tomar conhecimento das ameaças que as monoculturas e os monopólios de Direitos de Propriedade representam para nossa biodiversidade e nossos direitos. Assim como nossos Vedas e Upanishads [os textos sagrados do hinduísmo] não possuem autores individuais, nossa rica biodiversidade, que inclui as sementes, desenvolveu-se cumulativamente. Tais sementes são a herança comum das comunidades agrícolas que as lavraram coletivamente. Estive recentemente com tribos da Índia Central, que desenvolveram milhares de variedades de arroz para o seu festival de “Akti”. Akti é uma celebração do convívio entre a semente e o solo, e do compartilhamento da semente como dever sagrado para com a Terra e a comunidade. Além de aprender sobre as sementes com as mulheres e os camponeses, tive a honra de participar e contribuir com leis nacionais e internacionais sobre biodiversidade. Trabalhei junto ao governo indiano nos preparativos para a Cúpula da Terra Rio-92, quando a Convenção sobre Biodivesidade da ONU (CBD) foi adotada pela comunidade internacional. Os três compromissos-chave da CBD são a proteção dos direitos soberanos dos países sobre sua biodiversidade, do conhecimento tradicional das comunidades, e da biossegurança, no contexto de alimentos geneticamente modificados. A ONU indicou-me para integrar o painel de especialistas encarregado de pensar o protocolo de biossegurança, adotado como Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança. Fui indicada como membro do grupo de especialistas que desenhou a Lei Nacional sobre Biodiversidade, assim como a Lei sobre Variedade de Plantas e Direitos dos Agricultores, na Índia. Em nossas leis, garantimos o reconhecimento dos direitos dos agricultores. “Um agricultor deve ser considerado capaz de conservar, usar, semear, ressemear, trocar, compartilhar ou vender seus produtos agrícolas, incluindo […]

Opinião: O golpe ruralista e o preço do feijão

Na última semana, fomos bombardeados pelas notícias sobre a alta no preço do feijão. O povo, chocado em ver o quilo passando de R$10, ouviu as mais diversas explicações dos analistas: geada e muita chuva no sul, falta de chuva em outras regiões, e até o boato de que uma pequena doação para Cuba feita em outubro de 2015 teria sido a causa da escassez. A solução mágica apresentada pelo ministro interino da agricultura, o Rei da Soja, foi zerar a taxa de importação para facilitar a entrada de feijão estrangeiro. O que estranhamente não saiu em lugar nenhum foi um elemento muito simples: o agronegócio brasileiro não se preocupa em produzir alimentos para o Brasil. E isso fica muito claro quando olhamos a mudança na utilização das terras no país. Nos últimos 25 anos, houve uma diminuição profunda na área destinada à plantação dos alimentos básicos do nosso cardápio. A área de produção de arroz reduziu 44% (quase metade a menos), e a mandioca recuou 20%. A área plantada com feijão, o vilão do momento, diminuiu 36% desde 1990, enquanto a população aumentou 41%. Apesar de ter havido um aumento na produtividade, a diminuição da área deixa a colheita mais vulnerável e suscetível a variações como estamos vendo agora. E o agronegócio? Os grandes latifundiários do Brasil, aliados aos políticos da bancada ruralista, à multinacionais de agrotóxicos e sementes como Bayer, Monsanto e Basf, e às empresas que dominam a comunicação no país não estão preocupadas com a alimentação da população. Este atores compõem o chamado agronegócio, que domina a produção agrícola no Brasil, e vê o campo apenas como local para aumentar suas riquezas. Isso significa, na prática, produzir soja e milho para alimentar gado na Europa e na China, enquanto precisamos recorrer à importação de arroz, feijão […]

O Cultivo de novas relações humanas como fruto da vida nos assentamentos

A 14ª Jornada de Agroecologia do Paraná colocou em evidência não apenas um modelo alternativo de produção, mas o fortalecimento da cultura e da relação entre arte e política no campo Por Camilla Hoshino A grande plenária foi o cartão de visitas da 14ª Jornada de Agroecologia do Paraná. A alguns passos de distância, mais de 40 barraquinhas de produtos orgânicos e agroecológicos atraem a atenção da multidão dispersa durante os intervalos da programação. Atrás da feira, o cheiro de carne temperada e mandioca cozida nos leva até a cozinha comunitária, divida em brigadas com cerca de cinco pessoas cada, para a produção de três refeições diárias para os participantes. Tudo foi pensando e construído com cuidado para garantir o funcionamento de um evento de quatro dias com mais de 4 mil pessoas, vindas de diferentes regiões do estado e do país. Muitas cores e enfeites compuseram o palco principal: panos de chita, cabaças, peneiras artesanais, frutas e sementes crioulas. É neste espaço que aconteceram as mesas temáticas, os atos políticos e as apresentações artísticas. Mais do que isso, ali se misturou arte e política, sem “foices, martelos, punhos cerrados ou sangue escorrendo”, brincou Sylviane Guilherme, dançarina e integrante do Setor de Cultura do MST/PR. Ela explica que os objetos do cotidiano dos agricultores e agricultoras, para além de sua função utilitária no dia a dia, se tornam arte quando ganham uma expressão livre naquele palco. “A ornamentação não é apenas decorativa, ela diz o que é a agroecologia, o trabalho e a vida no campo”, reforça. Protagonismo As características do modo de vida e da cultura nos assentamentos rurais puderam ser encontradas em todos os espaços da Jornada. Seja na marcha de abertura, nas palestras e oficinas, nas cirandas voltadas para as crianças, na cozinha ou nas noites regadas […]

Jornada de agroecologia afirma urgência de um novo projeto de agricultura

Por Iris Pacheco “Você sabia que gente também é semente? E gente sendo semente precisa ser cultivada”. Foi com o tom de cultivar os valores do cuidado, da singeleza e da rebeldia que a 14° Jornada de Agroecologia no Paraná concluiu, neste sábado (25), um ciclo para iniciar outros tantos no coração de homens, mulheres e crianças ali presentes. A jornada, que começou na quarta-feira (22), teve quatro dias de intensos debates, socializações de conhecimentos e cultivo dos saberes. Toda a beleza desses dias se reflete no ato de encerramento com a convocação do povo para assumir o compromisso de construir novas relações entre os homens e a Mãe Terra, de serem guardiães e guardiãs das sementes e da biodiversidade para a humanidade. “Temos que manter a conscientização, a rebeldia, a desobediência e a conspiração para enfrentar o agronegócio. Uma delas é sermos todo dia guardiães das sementes e compartilhá-las. Partilhar é um gesto de cuidado e amor”, declamou José Maria Tardim, ao conduzir um dos momentos místicos que compuseram o ato. Ao som do ganido da gralha azul, imagem símbolo da jornada, que desceu sobre a plenária ecoando nos ouvidos dos cerca de 4 mil camponeses ali presentes o desafio de compartilhar as sementes do saber e cultivá-las, com a conexão ancestral com o conhecimento e a energia dos povos que geraram a agricultura. “E a ti que amas entregarei meu bosque de ideias e coisas sãs” ‘‘Cuidado” foi uma palavra foi bastante utilizada em todo o ato. Porém, não se remetia ao cuidado que compõe a canção do medo, da incerteza. E sim do cuidado que constrói pela singeleza, que cultiva o amor e cativa os lutadores e lutadores com sutileza e esperança. Gesto esse demonstrado na emoção do seu Tobias, ao depor para os milhares de trabalhadores […]