A Jornada de Agroecologia é uma coalizão política constituída em 2001, que resultou de amplo processo dialógico entre vários movimentos sociais, populares, do campo e organizações não-governamentais atuantes no Paraná, que desde os anos 1980 promovem as lutas pela terra e pela reforma agrária, a defesa da agricultura camponesa e a agroecologia.
Em novembro de 2001, este coletivo social realiza o ato de lançamento do Manifesto Político da Jornada de Agroecologia, na comunidade rural Itaiacoca, em Ponta Grossa, com a participação de mais de 600 camponeses e camponesas e outros sujeitos sociais e políticos.
A Jornada de Agroecologia sintetizou à época sua posição política no lema “Terra Livre de Transgênicos e Sem Agrotóxicos”. Se definiu com caráter popular e massivo, como dinâmica social do campesinato e outros segmentos da sociedade, notadamente os estudantes, técnicos, pesquisadores e docentes, partidos políticos progressistas e seus membros detentores de mandatos populares, e os movimentos ambientalista e de consumidores urbanos.
Sua articulação parte desde as ações concretas e efetivas das famílias camponesas e suas múltiplas formas de associativismo e cooperação no interior dos seus agroecossistemas, comunidades e assentamentos, e se projeta em sistemas de redes de intercâmbio e ação política de alcance estadual, interestadual, nacional e internacional.
Faz um recorte de classes, afirmando-se como um coletivo político que se contrapõe diretamente ao capitalismo e sua expressão no agronegócio. O agronegócio se reproduz através do latifúndio e da concentração da terra, da invasão dos territórios dos povos indígenas e comunidades tradicionais, da mercantilização dos bens naturais, do trabalho escravo, da exploração de trabalhadoras e trabalhadores, da violência armada, da expulsão das famílias do campo. O resultado é desestabilização da soberania alimentar do país, a depredação e contaminação da natureza e dos seres humanos.
Os movimentos e organizações sociais articulados na Jornada de Agroecologia assume a agroecologia como luta, prática social e ciência para a reconstrução ecológica da agricultura na sua estratégia de resistência e luta pela transformação radical da sociedade. Não temos a ilusão da possibilidade em humanizar e tampouco ecologizar o capitalismo.
A cada ano, desde 2002, realizamos o encontro da Jornada de Agroecologia, com duração de quatro dias e participação média de 4 mil pessoas – sendo 95% de camponesas e camponeses. Este evento se concretiza com uma marcha pública como ato de abertura, e segue com a Feira da Biodiversidade e Alimentos Agroecológicos, conferências em plenária, oficinas de intercâmbio das experiências e seminários, atividades culturais, e encerra com o ato político com autoridades governamentais e parlamentares, entre outros. Neste ato político, entrega a Carta da Jornada de Agroecologia, onde expressa sua posição estratégica e conjuntural e suas reivindicações, que passam a ser objeto das ações coletivas no transcorrer de cada ano.
Os encontros da Jornada de Agroecologia são itinerantes pelo estado do Paraná, sendo realizados segundo o contexto estratégico e conjuntural de cada período, considerando ora a oportunidade de se dar em territórios hegemonizado pelo agronegócio, e ora com marcante presença histórica do campesinato. Por isso ocorreu por três anos em Ponta Grossa, destacando o conflito com a Monsanto; quatro anos em Cascavel, destacando o conflito com a Syngenta e Sociedade Rural do Agronegócio; dois anos em Francisco Beltrão, destacando a histórica organização e lutas camponesas e a presença do agronegócio da carne e do leite; dois anos em Londrina, agronegócio da soja e milho transgênicos, cana de açúcar e as lutas camponesas pela terra e reforma agrária de Porecatu nos anos 1950 e as atuais; dois anos em Maringá, na Escola Milton Santos, onde se dão cursos técnicos em agroecologia e a presença do agronegócio da soja e milho transgênicos; um ano em Irati e dois anos na Lapa, territórios com histórica presença do campesinato tradicional e agroecológico, da Guerra do Contestado e sede da Escola Latino-Americana de Agroecologia; em 2018 e agora em 2019, na capital Curitiba, focada na socialização dos conhecimentos, atividades políticas e culturais, com oferta de alimentos agroecológicos à população urbana.
Neste percurso, destaca-se a importância da adesão de significativos grupos de acadêmicos e estudantes da Universidade do Oeste do Paraná (UNIOESTE), que sediou no seu campus central a Jornada de Agroecologia de 2005 a 2008; o mesmo se deu na Universidade Estadual de Londrina (UEL), nos anos de 2011 e 2012, o Instituto Federal (IFPR) campus Irati em 2015; e a Universidade Federal do Paraná (UFPR), amplamente engajada em 2018 e agora em 2019.
Por seu caráter e funcionalidade, a Jornada de Agroecologia é, sobretudo, a expressão do campesinato em movimento. Estimula e orienta o contínuo intercâmbio das experiências técnico-produtivas, de seus processos organizativos de produção, agroindustrialização e comercialização coletivos, de realização de feiras municipais e regionais de sementes crioulas e ampla agrobiodiversidade, de atividades culturais, de formação e educação em agroecologia.
Ao mesmo tempo, estabelece o enfrentamento direto ao agronegócio, tendo acumulado duas vitórias significativas:
1 – em 2003 promoveu um protesto junto a um centro de produção de sementes de soja e milho transgênicos da transnacional Monsanto, em área rural do município de Ponta Grossa, que dias depois foi ocupado por famílias camponesas e sem-terra. A área foi convertida no Centro Chico Mendes de Agroecologia, sediando eventos de formação teórico-práticos e, através dos vários Mutirões da Agroecologia com média de 200 participantes, toda a área de 35 hectares foi convertida em bases agroecológicas. As atividades foram encerradas após 18 meses, dado que as famílias foram despejadas da área por ordem judicial, e a Monsanto foi impedida de retomar suas atividades no local;
2 – em 2006, após a ocupação do centro de produção de soja e milho transgênicos da transnacional Syngenta, no município de Santa Tereza do Oeste, por famílias da Via Campesina, o coletivo da Jornada de Agroecologia promoveu sucessivos eventos de formação e de apoio à produção agroecológica. O conflito com a Syngenta se estendeu por quase três anos, registrando três despejos das famílias ocupantes, que ao retomarem a área na terceira ocupação, sofreram ataque de surpresa de funcionários armados da NF-Segurança, contratada pela Syngenta, que assassinaram o companheiro Valmir Mota de Oliveira, conhecido popularmente por Keno, e feriu vários outros.
As repercussões do conflito e as ações da Jornada de Agroecologia e da Via Campesina, inclusive na Suíça, sede da Syngenta, e vários outros países da Europa, resultou que a transnacional se viu obrigada a entregar a área por doação ao Governo do Paraná. A terra ficou sob gestão direta do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) em diálogo com a Via Campesina e a Jornada de Agroecologia, direcionada como Pólo de Pesquisa em Agroecologia Valmir Mota de Oliveira – Keno Vive!
Outra frente de batalhas permanentes tem sito no âmbito político-jurídico, quando nos primeiros anos obteve-se importantes vitórias com a aprovação da Lei Paraná Livre de Transgênicos; a proibição da exportação de soja transgênica pelo Porto de Paranaguá; efetivação da fiscalização do cultivo comercial ilegal e da produção de sementes básicas transgênicas; fiscalização do cultivo ilegal do milho transgênico; medidas que, no Paraná, foram posteriormente suspensas por decisões do Poder Judiciário.
Em articulações nacionais, obteve-se a manutenção da moratória nacional contra a tecnologia terminator; a Lei de Rotulagem dos Produtos Transgênicos; e destaca-se as vitórias com a criação das políticas públicas com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que adquirem e remuneram com vantagens a produção e oferta de alimentos agroecológicos pela agricultura camponesa.
A vitória estratégica foi alcançada com a promulgação pelo governo federal da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), por meio do Decreto nº 7.794, de 20 de agosto de 2012, correspondendo em grande medida com as reivindicações históricas das organizações e movimentos sociais do campo por políticas públicas estruturantes para a agroecologia no Brasil.
Consideremos que vitórias e derrotas vão se efetivando nos conflitos permanentes dado as contradições antagônicas entre o campesinato, os povos indígenas e comunidades tradicionais e a classe trabalhadora com a burguesia capitalista e sua expressão no agronegócio.
O golpe de Estado aplicado pela burguesia com a deposição da presidenta do país em 2016, seguido da vitória eleitoral fraudulenta do candidato a presidente e uma maioria de parlamentares serviçais da burguesia em 2018, apoiados na conivência majoritária do poder judiciário e dos meios de comunicação, vem impondo enormes derrotas ao campesinato e a classe trabalhadora.
Nesta conjuntura de lutas estratégicas, foi realizada a 18ª Jornada de Agroecologia em Curitiba, entre 29 de agosto a 1º de setembro de 2019, por uma Terra Livre de Transgênicos e Sem Agrotóxicos, Cuidando da Terra, Cultivando Biodiversidade e Colhendo Soberania Alimentar, e Construindo o Projeto Popular para a Agricultura!
Em 2022, após dois anos, Curitiba recebe pela terceira vez um dos maiores eventos de Agroecologia do Brasil. Feira de alimentos orgânicos e agroecológicos, apresentações culturais, show de artistas locais e nacionais, oficinas, seminários, exposições de fotografias e charges, espaço de Saúde Popular e culinária. Tudo isso e muito mais está reunido na 19ª edição da Jornada de Agroecologia, entre 22 a 26 de junho, no Campus Rebouças, da Universidade Federal do Paraná, bairro Rebouças.