Carta da 8ª Jornada de Agroecologia

Nós, 3.500 participantes do 8º Jornada de Agroecologia, reunidos em Francisco Beltrão – Paraná – Brasil, entre os dias 27 e 30 de maio de 2009, reafirmamos nosso compromisso com a Agroecologia – “Cuidando da Terra, Cultivando Biodiversidade e Colhendo Soberania Alimentar” – continuando nossa luta por uma Terra Livre de Transgênicos e sem Agrotóxicos e Construindo o Projeto Popular e Soberano para a Agricultura.

A Jornada de Agroecologia é uma articulação de vários movimentos sociais e organizações da agricultura familiar camponesa, organizações da sociedade civil do campo popular, técnicos e acadêmicos e se insere no grande movimento de lutas dos povos contra a mercantilização da vida, comprometendo-se a construir uma nova sociedade sustentável capaz de satisfazer suas necessidades fundamentais e garantir os direitos das gerações futuras.

A Jornada de Agroecologia é um coletivo político que se contrapõe diretamente ao Capitalismo e sua expressão por meio do Agronegócio, que se reproduz através do latifúndio, do trabalho escravo, da violência, e expulsa as famílias do campo, desestabiliza a soberania alimentar do país, degrada e contamina a natureza e explora os seres humanos.

O momento atual, com a emergência de mais uma crise do capitalismo, que vem a público pelo desabamento da agiotagem financeira expressa na ficção do dinheiro eletrônico, esconde a crise da economia real sustentada na sociedade do automóvel dependente do petróleo.

Os capitalistas, negando o catecismo neoliberal, buscam salvaguardar-se e apropriar-se dos recursos públicos acumulados no Estado, alcançando cifras de mais de 8 trilhões de reais para socorrer apenas bancos e seguradoras. Esse valor é quarenta vezes maior do que os recursos destinados ao combate da pobreza e das mudanças climáticas no mundo.

Constitui-se assim um novo ciclo de oportunidades para a acumulação e concentração do capital e do poder, transferindo o custo social para os trabalhadores e populações marginalizadas: agravando o desemprego e aumentando a fome no mundo que já atinge um bilhão de pessoas. O movimento de ‘globocolonização’ do capital, expresso através do Agronegócio, condiciona o Brasil a continuar como um país agro-exportador ‘confinando’ o agricultor a ser um mero produtor de mercadorias, tendo como uma de suas formas a subordinação dos agricultores aos complexos agroindustriais através dos contratos de ‘integração’.

Nesta ordem econômica, as organizações políticas do Agronegócio – bancada ruralista CNA, OCB – estão realizando, com apoio das grandes empresas de comunicação, a maior investida para a retirada dos direitos sociais, difusos e coletivos, conquistados pela luta do povo brasileiro e assegurados pela constituição de 1988, que são considerados como obstáculos à reprodução do capital, a exemplo de:

mudanças na legislação ambiental precarizando o marco legal de proteção, a exemplo do Código Florestal, avançando impunemente sobre todos os biomas, especialmente sobre a Amazônia;
mudança na legislação agrária através da medida provisória 458 – conhecida como MP da grilagem -, que regulariza a posse de terra em até 1500 ha da Amazônia Legal, já aprovada na Câmara Federal;
mudança na instrução normativa que regula a titulação de territórios quilombolas, dificultando ainda mais a titulação das suas áreas;
decisão do STF sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol estabelecendo uma série de condicionantes restritivas à política de reconhecimento dos territórios indígenas;
revisão das leis de “cultivares” e “sementes e mudas”, na tentativa de proibir os agricultores de guardar e intercambiar sementes;
retomada do projeto que aprova a tecnologia ‘Terminator’, que torna as sementes estéreis, mesmo com uma moratória mundial assinada por 191 países;
mudança na lei de rotulagem para acabar com a exigência de rastreabilidade de produtos transgênicos e a retirada do símbolo ´T´, que os identifica.
A expansão desta estratégia sobre o território nacional implica, ao mesmo tempo, numa investida das empresas transnacionais que impõem suas tecnologias patenteadas de transgênicos e agrotóxicos, como base para os monocultivos de grande escala, tornando os agricultores cativos, o povo submetido a pagar preços abusivos pelos alimentos e fazendo a sociedade de cobaia.

Denunciamos a contaminação genética das sementes crioulas e convencionais pelos cultivares transgênicos com prejuízos irreparáveis à agrobiodiversidade e à economia, bem como, o incremento da contaminação do meio ambiente e dos alimentos por agrotóxicos. No Paraná, a liberação dos transgênicos aumentou em mais de 400% o uso de agrotóxicos.

Em que pese este sistema hegemônico de exploração do ser humano e de depredação da natureza, o movimento da agricultura familiar camponesa e os povos tradicionais se colocam na vanguarda da reconstrução ecológica da agricultura e da transformação da sociedade. Esta é a razão pela qual a Agroecologia segue crescendo no Brasil numa multiplicidade de experiências.

Enquanto isso, o Estado segue sem implementar políticas estruturantes, de apoio e fomento a agroecologia, limitando-se a ações pontuais e desarticuladas. Reafirmamos, nesta 8a. Jornada de Agroecologia, a continuidade de nossas ações comuns, articuladas num jeito de viver em cooperação, do local até ao mundial, que se expressa na proposta da agroecologia:

  1. Lutar pela soberania alimentar, o que implica em realizar uma reforma agrária integral e o fortalecimento da agricultura ecológica familiar camponesa, como caminho sustentável para enfrentar a fome no mundo.
  2. Lutar pelo reconhecimento dos direitos dos povos tradicionais nas suas diferentes formas de ocupação do território e o estabelecimento de um limite máximo para a propriedade da terra.
  3. Lutar contra todas as formas de mercantilização da vida, buscando garantir que a terra, a água, as sementes e toda a Biodiversidade sejam Patrimônio dos Povos a Serviço da Humanidade, garantindo o direito ao livre uso da agrobiodiversidade.
  4. Fortalecer e ampliar todas as iniciativas comuns e populares de defesa das sementes crioulas lutando pelo direito, de todos os camponeses e as camponesas, de preservar e viabilizar a produção própria de sementes como garantia do princípio da soberania alimentar, e impedir que as empresas obtenham o controle da produção e da comercialização de sementes;
  5. Lutar contra a privatização e mercantilização das águas implementando propostas de proteção e recuperação dos rios e nascentes, combatendo a poluição, a degradação e a ofensiva do agronegócio que visa mudar a legislação ambiental para ampliar a devastação.
  6. Lutar para garantir a implementação das diretrizes operacionais da educação do campo pelo Estado.
  7. Promover e participar de campanhas nacionais e internacionais que combatem a violência contra os trabalhadores, as mulheres e a criminalização dos Movimentos Sociais. Lutar pela punição dos mandantes dos assassinatos de Valmir Mota de Oliveira – Keno e Eli Dalemole.
  8. Seguir lutando por um Brasil agroecológico, livre de transgênicos e sem agrotóxicos, ampliando as experiências locais e regionais.
  9. Reivindicar do Estado a efetivação de políticas públicas estruturantes para a agroecologia.
  10. Ampliar os sistemas populares de abastecimento local com alimentos agroecológicos, fortalecendo redes e feiras, bem como constituir o PAA como política pública.
  11. Que o governo do Paraná consolide o convênio entre o IAPAR e a Via Campesina, para o Centro de Pesquisa Valmir Mota de Oliveira – Keno, em Santa Teresa do Oeste, garantindo a gestão paritária e a implementação da pesquisa agroecológica voltada para a agricultura familiar camponesa.
  12. Lutar pelo reconhecimento nacional e internacional dos direitos dos agricultores familiares camponeses.

Reafirmamos nossa unidade política e de ação como um movimento agroecológico e de transformação da sociedade protagonizado pela agricultura familiar camponesa e povos tradicionais, em cooperação com todos os que lutam por um mundo digno e sustentável, no campo e na cidade. Rememoramos o companheiro Valmir Mota de Oliveira – Keno, mártir da luta contra as transnacionais da biotecnologia e celebramos a conquista do território da sua algoz, a transacional Syngenta, e festejamos a vitória dos povos indígenas que conquistaram a demarcação do seu território Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Plenária da 8a. Jornada de Agroecologia
Francisco Beltrão, Paraná, Brasil, 29 de maio de 2009.

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